A existência de uma noção autocrítica bem fundamentada e realista, se não é, em si mesma, um indicador seguro da capacidade de uma pessoa para mudar os seus comportamentos e atitudes, constitui, pelo menos, uma condição incontornável para que a mudança possa ocorrer. De facto, para que alguma coisa mude, é, pelo menos, necessário reconhecer a própria necessidade de mudança, o que não acontece com as pessoas que vivem, como a “fada má” das histórias da Branca de Neve, encerradas nas suas fortalezas cognitivas, num jogo misógino e egocêntrico com os “espelhos mágicos” que apenas refletem a imagem que neles se pretende ver refletida.

Por mais consolador que tal seja, este processo de autocontemplação tende a esgotar-se nas suas próprias fronteiras, uma vez que se torna incapaz de “sair do quadrado” e pôr em causa as fantasias que cria e alimenta, fazendo as pessoas resvalar insidiosamente para os territórios movediços do autoengano (self deception), considerado por alguns autores (Goleman, por exemplo) como o principal adversário da mudança pessoal.

Se este processo de “mistificação do ego” é escorregadio e sinuoso para toda a gente que o experimenta, ele tem uma perigosidade muito maior quando ocorre nas pessoas que exercem funções de chefia. De facto, imagine-se um suposto “líder” que se acha uma pessoa fantástica e bafejada com alguns dos atributos da magnanimidade…e é o único a achar isso. Ou aquele outro que nutre uma convicção estruturada de que os eventuais problemas de liderança que possa ter resultam, acima de tudo, das fragilidades e limitações da sua equipa e não das suas próprias competências como líder. Afinal, “um homem (ou mulher, bem entendido) não faz milagres” e “não se pode fazer omeletas sem ovos”.autoconsciência

É neste contexto que, como suporte às ações de formação em liderança, se tem vindo a generalizar a aplicação de ferramentas de assessment baseadas nos modelos de “multisource feedback” que, se bem que não sejam a poção mágica que vai garantir o sucesso dessas modalidades de intervenção, constituem, pelo menos, uma excelente oportunidade para que a pessoa que está por detrás do líder possa “sair do casulo” e colocar-se em perspetiva. Tendo como objetivo fundamental desenvolver a autoconsciência (“self awareness”), estas ferramentas podem, de facto, constituir uma boa alavanca dos processos de mudança de práticas de liderança, sobretudo quando são também acompanhadas por sessões de coaching individual.

Aí, na privacidade de um território protegido das ameaças de “perda de face”, a pessoa que desempenha, entre outros, o papel de líder de uma empresa ou de uma equipa, pode, com maior facilidade, enfrentar os seus fantasmas, os seus medos, as suas inquietações, despojando-se dos impulsores internos que o convocam obsessivamente para ser um “super herói”. Se o conseguir fazer (há muitos que não conseguem…), não só consolida a sua estruturação pessoal, base da identidade, como ainda pode aceder mais integralmente ao seu potencial, podendo realmente tornar-se um líder mais eficaz...e uma pessoa mais feliz.

Escrito por

Mário Ceitil

•Licenciado em Psicologia pelo ISPA;•Professor Universitário;•CERTIFIED EXECUTIVE COACH pelo FranklinCovey/Columbia University Executive Coach Certification Program (Salt Lake City – EUA);•PROGRAMA DE FORMACIÓN DE COACHES PROFESIONALES – Nivel Básico (ACSTH – Approved Coach Specific Training Hours), pela Escuela de Coaching Ejecutivo da Tea-Cegos (Madrid, Espanha);•PROGRAMA DE FORMACIÓN DE COACHES PROFESIONALES – Nivel Avanzado (ACSTH – Approved Coach Specific Training Hours), pela Escuela de Coaching Ejecutivo da Tea-Cegos (Madrid, Espanha);•Managing Partner da Cegoc, de 1993 a 2015;•Consultor e Formador da Cegoc, desde 1981.•Coordenador da Escola de Coaching Executivo (2015/2016),
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