Alterações ao código do trabalho

03/07/2014
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Alterações ao código do trabalho e desemprego de longa duração

De acordo com os dados recentemente divulgados pelo INE relativos ao 1.º trimestre de 2014, a proporção de desempregados à procura de emprego há 12 e mais meses no total da população desempregada foi estimada em 63,6%. Como se sabe, face à intensidade dos efeitos de uma forte destruição de emprego – que se iniciou em 2008 com as repercussões da crise financeira internacional – e consequente aumento do desemprego, assim como da precariedade do emprego (em proporção de contratos de trabalho a termo e temporários), são inúmeros os problemas do mercado laboral em Portugal. Mas, de entre esses, merece especial destaque o do aumento do desemprego de longa duração.A verdade é que se constata uma tendência para um aumento significativo, desde o início desta crise, deste problema, sobretudo junto da população com 45 ou mais anos. E esta situação deve-se, pelo menos em parte, à destruição de emprego permanente e ao incremento dos despedimentos, em particular dos despedimentos coletivos e dos despedimentos por extinção de posto de trabalho. Por exemplo, segundo dados do INE, em 2013 a população desempregada há 12 e mais meses (desemprego de longa duração) aumentou 16,7% relativamente a 2012. E no 1.º trimestre de 2014 prosseguiu o aumento da proporção de desemprego de longa duração no total de desemprego: dos 788,1 mil desempregados registados, 500,9 mil eram desempregados de longa duração.A nossa Constituição da República Portuguesa consagra um conjunto de relevantes direitos sociais que permitiram que nestes 38 anos da sua vigência a nossa democracia tenha percorrido um trajeto progressista de mudança em dimensões sociais fundamentais, designadamente ao nível do bem-estar social e da melhoria das condições de vida e de trabalho.Num contexto de respeito pelos direitos fundamentais afirmou-se, acima de tudo, o propósito de promover uma sociedade justa e solidária tendo por desígnio um desenvolvimento sustentável. Entre os direitos dos trabalhadores consagrados na Constituição – que, no seu todo, estabelece uma ordem de valores que têm o seu âmago na dignidade da pessoa humana, principal elemento axiológico do nosso ordenamento constitucional – contam-se, designadamente, os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (artigos 53º-57º), não deixando de ser significativo que o primeiro destes direitos seja, justamente, o direito à segurança no emprego.Ora em 2013, sobre as alterações da Lei n.º 23/2012 ao regime de despedimento por extinção de posto de trabalho (assim como do regime do despedimento por inadaptação), o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 602/2013, declarou a inconstitucionalidade de normas do Código do Trabalho, por violação da proibição de despedimentos sem justa causa consagrada na Constituição. Recentemente, a Lei n.º 27/2014, de 8 de maio, que procede à sexta alteração ao Código do Trabalho, altera o regime de despedimento e no que respeita ao despedimento por extinção de posto de trabalho fixando os seguintes critérios: pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador; menores habilitações académicas e profissionais; maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa; menor experiência na função; menor antiguidade na empresa.E esta sequência de critérios não pode deixar de merecer reflexão. Desde logo, o critério da “pior avaliação de desempenho” estabelece uma comparação, e a questão que suscita é: “Pior em relação a quê?” Depois pressupõe que a generalidade das empresas portuguesas – incluindo a grande maioria do nosso tecido empresarial, ou seja, as microempresas e as pequenas empresas – promova um sistema de avaliação de desempenho rigoroso, eficaz, transparente, apto a estimular a confiança, a todos os níveis, entre trabalhador e empregador, importando que não se permita penalizar aqueles que, no passado, bem cumpriram mas hoje envelheceram. Além do mais, convém que se concretize ainda o conceito de “menores habilitações académicas e profissionais”, uma vez que pode um trabalhador possuir relevante experiência profissional e menos habilitações académicas do que outro trabalhador mais jovem mas muito menos experiente.Tanto mais que, pelo critério imediato “maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa”, se estima que algumas empresas optem por fazer cessar contratos de trabalho com os trabalhadores mais antigos e mais bem remunerados e por contratar trabalhadores jovens, mas remunerando-os com salários muito mais baixos. Por estas razões importa estimar as consequências destas alterações, dado que sabemos que os conceitos indeterminados conduzem a normatividades movediças com repercussão na jurisprudência, podendo enfraquecer o sistema legal de garantias que rodeiam a admissibilidade do despedimento, e avolumando os já graves problemas do mercado de trabalho, como é justamente o da muito fraca empregabilidade das pessoas com 45 ou mais anos.Ora muitas destas pessoas de meia-idade agora no desemprego, e muito distantes da idade mínima de reforma por velhice, se outrora confiantes num rápido regresso ao trabalho agora, com o prolongar das situações de permanência no desemprego, acabam por perceber que na realidade estão “inativas à força”. Para lá da perda deste relevante capital humano para a economia e o desenvolvimento do país, trata-se de uma enorme injustiça social. Assim, convirá perceber se estas alterações ao Código do Trabalho são enformadas pela ideia de equilíbrio, garantindo o respeito pelos direitos fundamentais dos trabalhadores, ou se são alterações na estrita prossecução de proveitos empresariais.O que se constata é que esta crise financeira internacional de 2007/2008 salientou não só o lado ineficiente e instável da economia como também, fundamentalmente, acentuou injustiças sociais. O direito a ter um emprego decente (com condições de trabalho e remuneração decente) em qualquer fase da idade, num contexto de uma economia e uma sociedade mais justas, que trate os cidadãos com dignidade, é uma exigência de uma democracia que reflete o interesse geral e não apenas os interesses particulares de alguns. De certa maneira, o que se exige é uma democracia em que as pessoas estejam primeiro e uma economia que cumpra o que é suposto cumprir: conferir qualidade de vida e bem-estar social às pessoas.
Glória RebeloFonte do artigo: publico.pt