Começo hoje a escrever estas crónicas e gostava de vos contar histórias de liderança no retalho. Este sector em que todos nos sentimos de alguma forma vendedores e merceeiros, traz consigo perfis de liderança muito característicos, intensos na intuição e na razão, complexos na assertividade e na empatia, mas todos empolgantes e apaixonantes para uma cientista social com etiqueta de gestora. Trata-se deliberadamente de uma generalização que pecará sempre por privilegiar um perfil médio e, mais do que enfatizar os pontos fortes ou as vulnerabilidades destes perfis, gostava de aproveitar esta experiência, tão enriquecedora nesta indústria, para vos contar histórias reais de homens e mulheres que têm este negócio colado ao corpo e cuja alma já se rendeu, há muito, à voracidade das vendas!
Vou contar-vos uma história verídica que me foi contada na primeira pessoa:
Um clube de golf muito elitista e afamado nos EUA deparou com um problema grave na sua operação. Convocaram uma reunião do seu Conselho consultivo e solicitaram a presença especial de um consultor estratégico para ajudar na resolução do grave problema. E do que se tratava? As amenities dos balneários dos Clientes importantíssimos que frequentavam o Clube desapareciam misteriosamente. Eram pura e simplesmente “subtraídas” pelos Clientes, mas o assunto não podia ser abordado com esta frontalidade. Era uma questão deveras delicada. Daí a presença do consultor estratégico nesta reunião convocada de urgência.
Um dos membros deste Conselho consultivo era um homem do retalho e distribuição alimentar. Uma vida inteira nas várias operações do negócio, conhecedor de toda a cadeia de valor, das compras, passando pela logística até á experiência de loja. Um homem sagaz, experiente e como é apanágio desta indústria, muito pragmático e focado nos resultados, sempre em jeito de “let´s cut the BS”. Do alto dos seus oitenta anos, lançou uma pergunta à mesa oval, longa e distante do seu conselho consultivo: “Has anyone talked to Joe?” Todos, aparentemente surpreendidos, se viraram uns para os outros questionando, quem é o Joe?
Respondeu, pausadamente: O Joe é o homem que trabalha nos balneários há mais de 20 anos. Hum, ouviu-se em uníssono, som seguido de uma displicência generalizada à prosaica sugestão do homem do retalho. Mas a resiliência é também característica destes perfis e ele não desatou. Rematou mesmo, porque não chamamos o Joe cá acima e lhe expomos o que se passa, pode ser que ele tenha alguma sugestão. O consultor estratégico regozijava na expectativa de fees suplementares depois do flop desta sugestão do merceeiro. E o Joe subiu. E o homem do retalho atalhou: olha lá, ó Joe, esses finórios andam a roubar gel e champô dos balneários? E o homem sorriu timidamente e confirmou: - pois andam, já tenho notado e um sorriso sarcástico cresceu nos seus olhos e concluiu: - parece uma competição para ver quem leva mais. Tudo siderado, tudo calado, o ambiente emudeceu. E vai o homem do retalho, sem dar tempo a mais ninguém de intervir: - olha lá, ó Joe, e o que é que tu achas que se podia fazer para evitar as brincadeiras desses senhores? O Joe resplandeceu e desafiou: - eu tenho uma solução! Ahhhhhhhh ouviu-se de todos, e um dos conselheiros desatou: - e para quando essa solução? Quanto tempo para a sua implementação? É muito cara? E o Joe do alto da sua serenidade mandou: daqui a 15 minutos venham ter comigo aos balneários que eu explico-vos a solução!
E assim foi, 7 conselheiros e 1 consultor estratégico dirigiram-se ao balneário e foram ter com o Joe. Este disse-lhes: - observem bem à vossa volta e vejam a solução que encontrei. À primeira vista, ninguém conseguiu vislumbrar qualquer alteração. Até que o nosso homem do retalho de vista fina e apurada, desatou uma gargalhada, deu um abraço ao Joe, combinou ir pescar com ele nesse fim de semana e já a despedir-se de todos os outros lançou: - vejam, o Joe tirou as tampas aos amenities! E ria desbragadamente. É assim a liderança no retalho.