Numa época marcada pela globalização, e que se caracteriza por mudanças macroeconómicas e pela intensificação dos imperativos de competitividade das empresas, houve necessidades destas adotarem novas formas de organização do trabalho.

São conhecidos os pontos-chave das novas estratégias: polivalência, equipas autónomas, prazos reduzidos, qualidade, satisfação do cliente, constituem alguns exemplos que impõem novos referenciais de performance, quando estão em causa novas matrizes de relacionamento comercial assentes na maximização do nível de serviço, nas evoluções da procura, no foco no cumprimento de prazos, na melhoria contínua.

Numa nova era organizacional, onde pontuam a autonomia, a iniciativa, a flexibilidade e a criatividade, todo o indivíduo é convidado a avaliar e a aperfeiçoar as suas competências, mas também a investir pessoalmente, a empenhar-se num processo contínuo, a ser participativo, a envolver-se. A necessidade de desenvolver aptidões manifesta-se a todos os níveis da empresa: os próprios gestores são implicados e as funções de chefia deverão permitir melhorar a capacidade de escutar, refletir, resolver problemas, julgar e decidir.

De facto, não se trata apenas do espaço objetivo da empresa, mas também do próprio espaço mental que agora se constrói sob os auspícios da competição e do desafio que o indivíduo lança a si próprio para “ganhar”, “ser o melhor”, “ultrapassar-se”.

No entanto, se as pressões inerentes à competitividade são inegáveis, a ideia de uma época convertida à religião dos desafios e da competição não se afigura muito convincente.

O correr riscos, os desafios, a superação constante de si mesmo impõem-se como “fatores de felicidade pessoal” para candidatos a “Super-Homem”[1]? As dúvidas mantêm-se até porque o sentimento dominante é de que “a vida não é só trabalho”. Assistimos hoje à consagração dos prazeres do tempo livre e da vida relacional, o que, de alguma forma, tende a secundarizar a importância litúrgica do fator trabalho.

Não deixa de ser certo de que os indivíduos continuam, em larga medida, a definir-se através da sua profissão, como um vector central de estruturação da vida pessoal e social. E, ainda que a felicidade pessoal polarize cada vez mais as aspirações dos indivíduos, o trabalho continua a ser um verdadeiro mediador de auto-estima, o primeiro produtor de identidade social.

Mas, atente-se que o centro de gravidade da vida mudou para a esfera privada, onde evoluem ideais e valores que se aliam às demandas do lazer e do desenvolvimento individual. Aqui concorre um desejo íntimo do indivíduo que (já) não é superar-se mas poder usufruir de um rendimento confortável para participar no universo das satisfações que o mercado oferece.

Concretizando, “os novos trabalhadores dos tempos modernos” não vêem nas novas técnicas de gestão do capital humano promessas de felicidade, quando pressentem insegurança profissional, dificuldades e pressões acrescidas. Esta nova gestão surge indelevelmente associada a uma maior precarização do vínculo laboral com a subjacente redução das proteções coletivas e a degradação das relações de trabalho. Ameaças de despedimento, burn out, stress agravado, baixos salários, intensificação das responsabilidades e ritmos de trabalho, receio permanente de não estar à altura das novas tarefas, eis a paisagem socio-laboral do futuro para a qual a gestão do Fator Humano será demasiado crítica para não ser levada em conta na boa governação das empresas.

A emergência do Fator Humano assume, neste contexto, maior acuidade quando aliada à insegurança profissional e identitária, surge a perda de auto-estima, a que se seguem, invariavelmente, a desmotivação, a desatenção, a angústia no local de trabalho.

Enquanto a maioria dos trabalhadores não se revê no culto da performance, sobressai o medo, assente numa ansiedade subterrânea, numa tensão silenciosa, numa desconfiança latente que afasta níveis hierárquicos, áreas e serviços que operam em cadeia processual e respondem pelo bem comum do negócio e que, a jusante, apenas acarreta fatores de risco acrescido para a saúde dos trabalhadores.

Estes vários paradoxos vêm tornar primordial o facto do indivíduo querer estar numa organização que o faça “sentir-se bem”, num ambiente “simpático” em que as pessoas sejam respeitadas e os méritos de cada um reconhecidos. Ora, quando se intensifica a obrigação de “fazer mais com menos”, e constatamos no universo empresarial que a qualidade de vida no trabalho está no topo da agenda socio-laboral das organizações e onde muitas delas exibem (ou pretendem) o selo de organização socialmente responsável, quais os pesos e as medidas dum indivíduo numa organização?

Sem parecer presunçoso, esta é a pergunta que vale um milhão de dólares:

Será a auto-superação constante digna de criar um novo modelo personalístico (”Super-Homem”) de forma a remeter para segundo plano o papel do hedonismo, do consumismo, do narcisismo nos indivíduos que extravasam as fronteiras das organizações onde trabalham, miscigenando as suas crenças e valores num conceito mais alargado de cidadania organizacional?

Entre limites e limitações, haverá sempre espaço para as exceções…


[1] O super-homem é aquele que vence o niilismo, supera a forma homem, velha e desgastada, supera todos os humanismos, toda a cultura que o prende em si mesmo, é ele quem “lança a flecha do seu anseio por cima do homem” (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 18). A afirmação do super-homem é a negação dos valores vigentes: ousadia no lugar de segurança, auto-disciplina ao invés e auto-piedade, esquecimento em vez de ressentimento.

Escrito por

Alina Oliveira

Autora do livro “ Resiliência para Principiantes” – ed. Sílabo, 2010.Sou formadora e consultora nas áreas da gestão e liderança de equipas, resiliência, comunicação e gestão de conflitos, gestão do tempo, resolução de problemas, relações cliente/fornecedor.Um dos temas que mais me apaixona é a Resiliência, o que me levou a escrever um livro sobre essa temática: “Resiliência para Principiantes”.
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